Centenário de Nascimento de Maria Bonita
O Sertão já nasceu mito: o desertão, visto pelo colonizador europeu que enxergava o interior do Brasil como uma vastidão impenetrável. O desertão ou celtão se tornou sertão e o sertão se tornou tão forte, que hoje o sertão é o mundo todo. O torrão, pedaço da Terra, que se delimita em seu espaço geográfico, como caracterizou Euclides da Cunha, a região entre o norte da Bahia até o Ceará e os confins com o Maranhão.
Entretanto existe sempre esse sertão dentro de nós, fruto do emaranhado das relações entre natureza, pessoas, acontecimentos, surpresas e mistérios; o sertão que vai emergindo da temporalidade e se condensando em uma cultura que se apossa da nossa interioridade como uma invasão de sentidos. As terras inóspitas guardam sempre um movimento entre a surpresa e o arrebatador que poucos conseguem decifrar e aqueles que o fazem sabem que o mistério nunca se esgota. E assim por estranho que pareça, o estranho passa a ser a norma, o Sertão vai dentro de nós.
O Sertão está aqui, ali, lá, em toda parte como afirmava Guimarães Rosa; mas se um, era o Sertão de Guimarães, outro é o Sertão de Ariano Suassuna e outro ainda é o Sertão de Euclides da Cunha, só para lembrar três nomes que se deixaram desafiar por este mistério. Entre esses três há elementos em comum e outras diferenças, mas o que os une, sem dúvida, é o Sertão em nós.
O cenário é mítico. Os seus personagens: gentes, águas, bichos, a caatinga e assombrações portam em sua interioridade o segredo que se desvenda e ao mesmo tempo permanece sempre segredo de ser. O Sertão atribui sempre o seu mistério na alma dos seus personagens, ou são os seus personagens que jorram na terra esse mistério. Não podemos nos deter aqui nessas distinções, o que importa é o que gera cumplicidade entre a terra, o que nela existe e quem nela pisa, união de forças, que como um eclipse ao contrário clareia aqui e revela o que era escuro ali.
Como as águas do rio São Francisco que se vão, sem se deter no estável, o Sertão carrega para afogar-nos em suas brenhas de caroá e macambira. Do chão de areia fina e tórrida para os passos de quem anda pela Terra. Do homem primeiro, aquele ancestral que leva nossas razões e pintou pedras, ao conquistador europeu, que de tanto saber, pouco entendeu; do povo que se vestiu de couro, à aventura alucinante de Lampião e Maria Bonita o Sertão sempre se impõe para nos desafiar.
Mas, o que é o Sertão? Não é possível responder, mas é de obrigação lançar a pergunta, nos apropriarmos de todas as oportunidades para disseminarmos perguntas. Celebrar em dois mil e onze o Centenário de Nascimento de Maria Bonita, mais que uma data que voa no calendário, é uma imposição para nos perguntarmos: o que é o Sertão em nós? Pergunta que está aqui, acolá, ali, mas também lá no mundo todo, em toda parte, porque remete à universalidade do humano, de ser no mundo, grande e desértico.
Maria Bonita em nós
COMUNICAÇÃO E ARTE
PAULO AFONSO - BAHIA
(75) 9158-8634